A abertura do leque de parceiros renovou o cancioneiro autoral de Miklos, que havia saído da banda Titãs em 2016. No presente álbum Do amor não vai sobrar ninguém, gravado com produção musical de Rafael Ramos, Miklos é o único criador das 12 músicas que compõem o repertório inteiramente inédito, gerado em tempos pandêmicos.
Diante desse contexto, é justo reconhecer e aplaudir o bom nível da solitária safra autoral de Miklos, artista que transcendeu o universo musical a partir dos anos 2000, tendo se estabelecido também como (elogiado) ator de cinema e séries de TV.
Canção que anunciou a existência do álbum ao ser lançada em single em 13 de maio, É assim que eu sei deu a pista certeira do tom afetuoso do disco.
Dentro desse universo de canções movidas pelo amor terno, a balada Ao teu lado se impõe como a música mais apaixonante da safra, sendo seguida de perto por Um misto de todas as coisas, canção que celebra o amor resistente ao desgaste do cotidiano. Terceira das 12 músicas na disposição do repertório no álbum, Todo esse querer expõe a fluência pop obtida pelo toque da banda arregimentada para o disco.
Ao longo das 12 faixas, ouve-se os toques dos músicos Diogo Gomes (trompete), Felipe Pacheco Ventura (violino, viola e arranjo de cordas), Gilberto Pereira (saxofone), Loco Sosa (bateria e percussões), Marcus Ribeiro (violoncelo), Marlon Sette (trombone e arranjo de metais), Martin Mendonça (guitarra e violões), Pedro Pelotas (piano, Rhodes, Wurlitzer, Hammond, clavinet, Moog e outros synths) e Reginaldo Lincoln (baixo).
Os metais sopram o suingue pop que embala Sabotage está aqui, tributo aliciante de Miklos ao rapper paulistano Mauro Mateus dos Santos (1973 – 2003), o já mítico Sabotage, assassinado há 19 anos. Bem-vindo ponto fora da curva na arquitetura do disco, Sabotage está aqui veicula amor de forma política, conclamando o ouvinte a lutar pelo futuro.
Na sequência do disco, Um sopro retoma o tema central do disco – a comunhão do amor a dois – sem perda da fluência pop. Sem se afastar do tema central do álbum, O que ela quer cai em suingue pop tropical latino.
Alocada entre Mansa e Uma conversa (cuja letra defende a necessidade de saber ouvir o outro), canções menos sedutoras no conjunto da obra mas também afinadas com o conceito do disco, a balada-título Do amor não vai sobrar ninguém se impõe como outro ponto alto deste álbum que flerta com o balanço do samba-rock em Por que censurar o amor? e termina com sopro de esperança em Se o amor ainda existir.
“Não sou de blefar quando canto”, avisa Miklos em verso da derradeira música de álbum que, tivesse duas ou três faixas a menos, bisaria a perfeição pop do anterior A gente mora no agora.
Ainda assim, Do amor não vai sobrar ninguém é disco vigoroso, sem blefes, e mostra que, aos 40 anos de carreira, Paulo Miklos ainda está em movimento no universo pop brasileiro, vivendo do hoje, e tendo o que dizer no tempo presente, sem se escorar nas glórias do passado como um cover de si mesmo.